Por Ramaputra das
Nestes dias, assistimos estarrecidos às sombras escuras de guerras entre nações. A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas está em evidência, porém outros países também estão em conflito: há uma guerra em curso entre Azerbaijão e Armênia em Nagorno-Karabakh, a guerra entre Rússia e Ucrânia, e guerras civis na Síria e no Líbano, ambos no Oriente Médio.
Na América Latina, o crime organizado, o tráfico de drogas e os homicídios fazem parte da realidade dos sistemas sociais e políticos, afetando a qualidade da democracia que vivemos. No Brasil, guerras entre facções criminosas desafiam a segurança pública, gerando perturbação social, medo e mortes violentas semelhantes aos ambientes de guerra.
Nenhuma guerra é desejável, e uma sociedade educada estará realmente conectada com Deus e, consequentemente, sempre haverá paz. Krishna nos ensina: “O desconectado não raciocina. O desconectado não se concentra. O desconcentrado não tem paz. E para quem não está em paz, onde está a felicidade?” (BG.2.26). Quando uma sociedade está focada na bondade, a guerra nunca será uma opção racional.
Porém, infelizmente, existe a maldade nas mentes de pessoas que causam danos aos inocentes. Depois de falar sobre qualidades morais próprias dos seres humanos em quase toda narrativa, no capítulo 16, versos 7, 8 e 9 da Bhagavad Gita, Krishna descreve a psicologia das pessoas ímpias ou maliciosas:
“Pessoas ímpias não sabem o que fazer nem o que não fazer. Nem limpeza, nem boa conduta, nem veracidade existem nelas. Alegam que o mundo não possui verdade, nem fundamento, nem Senhor – que surgiu da interação e baseia-se em nada mais do que motivos egoístas. Por manterem-se firmes nesse ponto de vista, essas almas perdidas e malignas, de pouca razão e atos selvagens, aparecem para destruir o mundo.”
Neste texto profético, observamos que sempre haverá a necessidade de defender os direitos dos inocentes para impedir que o dharma ou a justiça seja violada, e neste momento, a guerra se faz necessária. Ou seja, todo poder, força ou habilidade bélica se destina a proteger os inocentes. “Dos fortes, sou a força livre de desejo e paixão…” (BG.7.11). As guerras não existiriam se não houvesse líderes no mundo com a intenção de quebrar o dharma ou causar danos a pessoas inocentes. Somente neste cenário distópico haverá necessidade de guerra, e devemos considerar que, ainda mais grave que defender os inocentes é decidir não os defender.
As guerras sempre devem ser condenadas, e Arjuna, no início da Gita, deu inúmeros argumentos a favor da paz para não lutar. Krishna, por sua vez, o convenceu a lutar com o argumento do cumprimento do dever do comandante guerreiro. Antes do cenário da guerra de Kurukshetra, no Mahabharata, Krishna deu valiosas lições de mediação de conflito para evitar a guerra. Ele também disse que a guerra será inapropriada, prejudicial ou desautorizada se utilizar da violência simplesmente para satisfazer os desejos pessoais egoístas. Srila Prabhupada também comenta que, mesmo acreditando na reencarnação, o ciclo de nascimentos e mortes não justifica a prática do homicídio, genocídio ou massacre com guerras desnecessárias.
Entretanto, sabemos que a violência e a guerra são fatores inevitáveis para manter a lei e a ordem na sociedade (BG.2.27).
O livro biográfico “Srila Prabhupada Lilamrta”, no volume um, capítulo cinco, é intitulado “The War” ou “A Guerra”. Srila Prabhupada relata os horrores da guerra da Índia com a Alemanha em 1939. “Estávamos em 1944 e Abhay abordou especificamente a crise da guerra mundial. Depois de quatro anos de combates, custando milhões de vidas humanas, a Segunda Guerra Mundial durou seis anos. Mesmo que esta guerra terminasse, haveria ainda outra guerra? O homem ainda não tinha compreendido a lição vital de como viver em paz?” Estima-se que o número de mortos na Segunda Guerra Mundial foi de 50 a 70 milhões.
No ano de 1965, ao chegar no Ocidente, depara-se com a guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã. Srila Prabhupada comenta que a guerra do Vietnã era diferente da guerra de Kurukshetra. Na Batalha de Kurukshetra, Krishna estava pessoalmente presente pedindo a Arjuna para lutar pelo Dharma. A Guerra do Vietnã gerou uma onda de protestos nos EUA. As pessoas se opuseram à guerra do Vietnã por razões morais, pelo alto custo, dúvidas estratégicas e exposição pela mídia. Estudantes, organizações pacifistas, veteranos e ativistas pela cultura da paz foram grupos-chave nesses protestos. A oposição dos movimentos juvenis à guerra do Vietnã foi motivada pela percepção de Adharma ou injustiças, pela violência e opressão. Srila Prabhupada e seu grupo de discípulos iniciantes se destacavam como parte fundamental desses grupos ativistas da paz. “Se as pessoas aderirem a esse canto (Hare Krishna), a paz virá automaticamente. Então eles não terão que tentar artificialmente a paz.”
No ano de 1971, Srila Prabhupada previu o fim da guerra de Bangladesh, que envolvia a Índia e o Paquistão. “Em 17 de dezembro, Prabhupāda leu as manchetes do Indian Express – ‘NIAZI RENDE-SE: BANGLADESH É LIVRE’. A Índia decidiu pelo cessar-fogo, e Srila Prabhupāda ficou muito feliz. Manifestando as qualidades de pessoa santa, ele sofria pelo sofrimento alheio para duka dukhi. Ele disse aos devotos confidencialmente que a razão pela qual a guerra tinha terminado tão rapidamente era por causa de seu enorme saṅkīrtana-yajña no paṇḍāl na Índia um mês antes. Srila Prabhupada confiava plenamente no poder do cantar dos santos nomes de Krishna. Ele escreveu um texto para um panfleto que foi distribuído durante as passeatas pela paz ornamentadas com o cantar de Hare Krishna. O título era a “fórmula da paz”: ‘As almas em ilusão estão ansiosas por obter paz…’ porque na sua essência pura, as almas são plenas de ananda, bem-aventurança que é a paz em sua plenitude. ‘Mas elas não conhecem a fórmula da paz’… A melhor fórmula da paz é simplesmente esta: o Senhor Kṛṣṇa é o beneficiário de todas as atividades humanas. Os homens devem oferecer tudo em prol do serviço transcendental ao Senhor porque Ele é o proprietário de todos os planetas e dos semideuses que vivem neles. Ninguém é maior do que Ele. Ele é maior do que os maiores semideuses, o Senhor Śiva e o Senhor Brahmā…” Com estas palavras, Srila Prabhupada mostra o diagnóstico e a solução para os problemas da guerra, denunciando a ganância, inveja e ignorância humana de sua subordinação e relação com o Divino… “Pode-se alcançar perfeita paz somente em completa consciência de Krishna.”
Nos textos ancestrais milenares do Mahabharata, descreve-se a invasão dos asuras (seres sem luz) e a preparação dos Deuses para uma guerra épica. Yamaraja, o Deus da morte, disse: “Os mundos devem se unir. Nós devemos nos esforçar pela paz.” Vayu, o Deus do vento, riu e disse: “Yamaraja! Você, de todos os Devas, sonha com a paz neste mundo, você julga e pune os maus! É certo que seu trabalho o tornou um cínico. Você acredita que todas as almas serão boas um dia?” Yamaraja insistiu: “Um dia todas as almas retornarão à sua natureza pura.”
Enfim, esperamos sinceramente que a luz refulgente de Krishna guie os corações. Que todas as partes destes conflitos mundiais, que estão chacinando vidas inocentes de homens e mulheres, idosos e até crianças, encontrem alternativas para paz e compreensão mútua, construindo pontes em vez de muros.
Que a justiça e a compaixão se sobreponham à violência, pavimentando o caminho para uma paz duradoura onde cada vida seja valorizada e respeitada.